terça-feira, 17 de maio de 2011

Um Bom Dia para Chamraiev

Por Chris Oliveira - Humor

            Ouço o barulho dos animais e os primeiros raios de Sol estão a atravessar a vidraça, embaçada pelo orvalho da manhã, mas entreaberta devido ao estafante calor que este verão faz e insiste para nos castigar.
Levanto.
Olho minha querida, Polina. Mas não amada. Isso não é bom para um homem da minha autoridade. Devo manter minha condição patriarcal integra e indiscutível, não cabe a mim demonstrações de afeto que confunda a minha postura em relação á família.
Lavo o rosto e me preparo para mais um árduo dia de trabalho. Retiro estas roupas de dormir, levanto e coloco minha camiseta sob minha camisa de algodão cru, tingido de oliva e meu casaco à tira colo, vermelho; visto minhas calças de bombachas marrons e minhas botas surradas e pretas. Isto me camufla no meio das paragens da fazenda e quando preciso ao campo perseguir animais perdidos, caçar patos e armar tocaia aos ladrões que infestam esta terra. Coloco meu relógio de bolso pontualmente no lado esquerdo, próximo a altura do punho para pegá-lo a tempo de não perder nenhum segundo procurando. Minha carteira fica bem guardada no lado esquerdo, interno da camisa, costurado numa bolsa fixa no peito. Nunca se sabe quando um forasteiro pode nos incomodar e uma moeda nesta altura pode ser boa sorte em situações críticas.
Eu tomo, como sempre, o meu copo de café quente, forte e amargo com meia dose de vodca e cinco gotas, somente cinco gotas de limão, óras. Enquanto bebo, olho o despertar do Sol por trás dos montes azuis, além dos verdes vales e acima do lago espelhado que envidraça e despedaça todos os raios deste Sol que não se põe nesta estação do nosso tempo e não nega o brilho da manhã. Poderia amar o despertar da luz sobre a terra úmida e poderia cheirar o doce orvalho desta vida dura do campo, mas não posso porque este cheiro de rapé me incomoda terrivelmente. Ué, será que a Polina voltou a se encontrar com aquele “medicuzinho”? Será que ele, apesar de bravejar que rejeita, está indicando isso para asma? Preciso descobrir o que este médico pretende com minha mulher, antes que ela morra por conta e nota deste charlatão. Vou resolver isso! Isso mesmo, vou resolver isso e vai ser... Depois que eu voltar.
Agora eu vou sair de casa porque o dia me espera, mas como um homem como eu pode sair de casa com estes trapos jogados no chão da porta. Macha! Esta menina não tem jeito. Preciso ter uma conversa séria com ela e deixar bem claro quem é que manda aqui, ela precisa de uma boa lição para ter disciplina. Este Xale está cheirando a enxofre, éter e tabaco, onde ela anda para deixar este cheiro na roupa. Que inferno! Vou ter uma conversinha com ela e isso não vai ficar assim. Se eu não sou um pai tão atento, poderia jurar que ela é que está trazendo rapé para dentro de casa. Mas ai está uma coisa que ela não faria sem que eu soubesse. Aliás, eu sei de tudo. Como eu sei que isso vai ficar pra depois do meu dia árduo de trabalho e antes do meu almoço, vou desestressar na sesta.
Por enquanto, comidas aos cães. Depois carinhos aos cavalos. Afeto as pobres vacas e uma espiadela nas abelhas. Mas morte as ratazanas, morte! Após cuidar dos animais, vou cuidar das pessoas da minha família. Alguém precisa adestrar este povo inculto. Vou falar primeiro com a Polina e conversar com a Macha sobre aquele “professorzinho” maleducado. Ele vai aprender uma lição comigo e vai saber quem é que risca nesta lousa, vou fazê-lo correr seis verstas descalço até os quintos dos infernos, num terço de tempo. Maldito Miedvidienko, maldito. Comida aos cães, comida aos meninos, comida aos melhores amigos dos homens. Comida! Cadê os famintos, cadê os pobres famintos dos meus cãezinhos? A comida chegou. Mas só vai comer quem cantar, então comecem a latir. Vamos, quero vê-los latir. Latam seus infames, miseráveis. Mais latidos. Que rufem os pulmões seus cães malditos, que eu quero acordar o mundo. Quem não latir, não come. Preguiça de abrir a boca pra comer não tem, mas tem que cantar primeiro. Trabalhem seus vermes. (RINDO) Latidos, mais latidos seus infernais. Só assim eu vou ter sossego. Quero ver quem vai querer cavalos hoje? Cavalos? Cachorros gritem até a morte. Quem morram os jovens, pois os velhos já estão moribundos. Cachorros miseráveis, miserável Miedvidienko, hoje eu acordo até a Macha. Quero acordar a Coruja e o “Doutorzinho” vai vir aqui, vou acordar os cavalos e o “Pescadorzinho de Letras” vai enfartar, vou acordar os morcegos e o “Moribundo”, vou acordar os pintinhos e o “Pobrezinho” vai fazer uma peça, vou acordar até a “Pavonesa”. Vamos seus cachorros moles, acordem este bando de preguiçosos insolentes, estes desregrados, indisciplinados, estes artistas do pântano. Hoje não tem cavalo, não tem arreio e nem tem teatro. Hoje quem dá o Dó mais grave que o do Silva sou eu, eu dou o Dó mais grave e terão dó dos pobres coitados.
Aff! Que gente enfandonha.
E depois de tudo isso eu vou até Moscou, gastar um pouco do dinheiro deste meu árduo trabalho na lavoura. Afinal de contas, também sou filho de Deus e até o próximo domingo eu faço companhia pra ele no descanso, com o sagrado respeito à ortodoxa lei.
[RI ENQUANTO OS CÃES LATEM PELA COMIDA QUE COM O BRAÇO AMEAÇA JOGAR, MAS NÃO SOLTA]

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